A peça.
Quando se acenderam as luzes, o incrível público estava lá!
Sentado sobre um alto trono elevado em uma pequena escadaria, o Eu acenava para
todos os lados, com um sorriso mascarado em mãos.
Um estrondoso anfiteatro abria-se na plateia! Lugares
lotados com bonecos sem expressão, todos iguais em tons de cinza com dentes
amostra, moldados de palha e falsidade. Atrás do trono, alguns espectadores
jogavam cordas, gritando para que eu pulasse e ouvisse-os, gritavam “Fuja!
Fuja! Venha conosco, teus protetores!” Mas era teimoso, afinal, quem mais
presenciaria o espetáculo de minha vida!
Com uma escuridão repentina, passos surgiram no corredor de
apresentação. Cinco indivíduos invadiram o salão central, todos em trajes
iguais, com um paletó social firmando um busto na parte de cima, e um vestido
de noiva e um falo balançante abaixo das vestes.
Cada um mascarava-se diferentemente, distinguindo seus
papéis, ou seriam entidades?
A alegria sorridente, A tristeza chorosa, A ironia
sarcástica, A raiva imparável, A esperança sem face.
Como se não visse nada, o Eu ficou parado e estático.
Sua
mente deu vida.
A ironia saltou em um órgão no canto da parede e iniciou a
trágica peça da vida, tocando uma música ainda triste mas agitada. A alegria
puxou a tristeza para dançar, enquanto ria e sorria alegremente brincando com
todos na festa, entretanto, a tristeza evitava os olhares e se escondia da
melhor forma.
Mas todos os convidados eram cegos! Nenhum deles conseguia
ver o quanto ela chorava por dentro, e sangrava!
Vez ou outra, algum convidado chegava ao lado do trono e
tirava algumas fotos para postar em algum lugar, ou conversava baboseira, ria e
ia embora, sempre periodicamente tentando agradar o anfitrião.
A esperança sentou no centro do salão e lá ficou, esperando
como sempre, sendo pisoteada algumas vezes, mas persistente em seu objetivo. A
raiva gritava para as paredes e quebrava móveis, o mais estranho era que som
nenhum era produzido em sua destruição. Ela era imparável, inconsumável,
incessante, mas silenciosa.
E então, ela entrou. Com ela, a luz da Lua banhou o
ambiente. Com ela, todas as emoções exaltaram-se, ou morreram de vez. O Eu
desviou seu olhar e atentamente acompanhava seus movimentos. Estava nua, com o
corpo do jeito que sempre, usando duas meias altas, uma na altura do joelho e a
outra mal calçada.
A ironia começou a tocar uma nova sinfonia, macabra,
fúnebre, lenta e hipnotizante, enquanto sorria com o canto da boca.
A raiva saltou tentando atacar, tentando acertar, ferindo a
todos, ferindo à si mesma no processo, vários bonecos entravam atrás dela. Ela
não conseguia acertá-la ou sequer queria, mas eles sofreram...
A tristeza caiu em prantos, só de observar ou contemplar sua
presença a fazia implorar para cegar-se no exato momento, ela escondia-se atrás
da alegria, que ria inadvertidamente como se nunca estivesse mais feliz. Ambas
exercendo papéis totalmente opostos os quais foram escolhidas, em seu
extremismo e expressão mais puras e sucintas possíveis.
A esperança arrastava-se. Sem suas pernas o movimento era
limitado, mas nada mais importava, que a dor, os convidados e seus pisoteios,
os maus-tratos e os comentários maldosos proferissem, era somente para isso que
ela vivia, e nunca desistiria. Ela olhou para baixo como se mal visse a esperança,
e quando pensou em aproximar-se...
A raiva apunhalou a esperança pelas costas. E eu acordei
ofegante.
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